terça-feira, 31 de março de 2009

Os pigmeus do petróleo

Quais são e como trabalham as pequenas e médias empresas que exploram petróleo no sertão do brasil em campos que não interessam mais à Petrobras.
Quando o assunto é exploração de petróleo no Brasil, a primeira imagem que vem à mente é a de imensas plataformas de aço espalhadas pela costa sudeste do país. É do mar que se retira quase a totalidade de óleo e gás natural e é no mar que a Petrobras, desde o final da década de 80, concentra grande parte de seus investimentos, principalmente no litoral do estado do Rio de Janeiro. O que poucos sabem é que 67% dos campos brasileiros ainda estão em terra firme, herança de um tempo em que os estudos sísmicos e os esforços tecnológicos apontavam para o interior do país. O volume de produção nesses campos ainda é bem modesto: são apenas 200 mil barris/dia extraídos do subsolo nacional (on-shore), ante 1,8 milhão das prospecções no mar (off-shore). Ou seja, o óleo que vem da terra responde por 10% da produção total, uma gota comparada ao que a estatal suga todos os dias no litoral.

Mas é justamente na terra que vem acontecendo uma pequena revolução, patrocinada por alguns idealistas do setor e outros tantos desbravadores dispostos a recuperar o óleo do sertão brasileiro. Desde o fim do monopólio da Petrobras, em 1997, alguns campos terrestres considerados economicamente irrelevantes pela empresa foram devolvidos à União, a maioria localizada na Bahia, no Rio Grande do Norte e em Sergipe. De posse desses campos maduros – denominação dada aos reservatórios com produção comprovada, embora pequena –, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu ofertá-los no mercado. O objetivo, desde o começo, era atrair a atenção de pequenas e médias companhias. As grandes, estrangeiras, mesmo após a abertura correram para o mar, seguindo o exemplo da Petrobras. A terra representava, portanto, um bom desafio para quem estivesse razoavelmente capitalizado e disposto a correr algum risco. O primeiro grande leilão dos campos maduros, ocorrido em 2005, durante a sétima rodada de licitações da ANP, ganhou o singelo nome de “rodadinha” e trouxe ao cenário nacional nomes como Aurizônia, Petrosynergy, Severo Villares, Alvorada, Koch e pelo menos outras três dezenas de desconhecidas companhias, batizadas, a partir de então, como produtoras independentes de petróleo. Entenda por independente a empresa cujos rendimentos são obtidos exclusivamente da produção na boca do poço, sem operações de refino ou distribuição. São novatas que entraram na atividade movidas por duas razões, ao mesmo tempo distintas e complementares.


A primeira: das 29 bacias sedimentares terrestres existentes no Brasil, apenas 5% são exploradas. É o país com maior potencial para atividade on-shore. Com característica geológica semelhante à dos Estados Unidos, o Brasil perfurou, em seus 60 anos de história do petróleo, 23 mil poços terrestres. Os Estados Unidos abriram 4,5 milhões em um século e meio de extração, média de 30 mil por ano. Lá, a saga dos produtores independentes rendeu bons dividendos e chegou até o cinema, com filmes como Assim Caminha a Humanidade e, mais recentemente, Sangue Negro, exemplos de obras-primas que celebrizaram o tema. Hoje, as independentes americanas são responsáveis por 82% da produção doméstica de gás e 65% da produção de petróleo, segundo dados da IPAA (Independent Petroleum Association of America). Até a Argentina, que nem está no mapa mundial do petróleo, furou mais poços que o Brasil no ano passado. E a Rússia, segunda maior produtora do mundo, tem milhares de poços ativos que geram, em média, 60 barris/dia, uma produção semelhante à de alguns campos maduros no Brasil. A diferença, portanto, não é geológica. É numérica.


A segunda razão que faz brilhar os olhos dos independentes é o fato de que os investimentos no campo de Tupi e em outros reservatórios na camada pré-sal farão a Petrobras se concentrar cada vez mais nas explorações marítimas, abrindo espaço para que novas empresas operem suas áreas terrestres. É importante lembrar que os campos marginais devolvidos nos últimos anos não têm a mesma atratividade econômica daqueles ainda em poder da Petrobras. O futuro pode ser bem promissor.E o presente?

BACIA POTIGUAR, CAMPO DE JOÃO DE BARRO


Silva e Maria Zuleine recebem 1% dos ganhosde extração da Petrobras.A meninada corre na estrada empoeirada do município de Serra do Mel, na região de Mossoró, para ver mais uma torre de aço que será cravada na terra seca do semiárido potiguar. Trata-se de uma sonda de perfuração que de tempos em tempos aparece por aquelas bandas, rompendo a rotina da comunidade. Os meninos, curiosos, observam homens de capacete, óculos de proteção e macacões coloridos manejando a estrutura de 15 metros que abrirá um novo poço na caatinga nordestina. A sonda ficará ali por alguns dias e será substituída por outra, conhecida como workover ou, na livre tradução dos engenheiros locais, sonda de completação – ela reveste o poço com uma série de equipamentos, tornando-o apto à produção. Quando o reservatório estiver pronto, surgirão novos cavalinhos metálicos na região, bombeando sem descanso, dia e noite, o óleo da terra.


É cena recorrente naqueles lados. Ao longo da BR-110, que liga Mossoró e municípios vizinhos à divisa com o Ceará, vão se multiplicando os equipamentos que os sertanejos ainda chamam de cavalinho de pau. Eram realmente feitos de madeira nos idos de 1960, mas hoje são de aço e ferro, modernos, um pouco mais silenciosos que os antigos e com melhor tecnologia de bombeamento. Quanto maior o poço, maior o cavalinho, e quanto maiores o cavalinho e o poço, maior a expectativa de aumento de renda para o dono do terreno. Sim, os proprietários da terra também se beneficiam da produção on-shore. Ficam com 1% dos ganhos de extração em cada poço aberto e ativo. Assim como outros sertanejos, Alderi Galdino da Silva, um mossoroense de 68 anos, pai de nove filhos, avô de 23 netos e bisavô oito vezes, chega a tirar R$ 12 mil num mês, com os 14 poços perfurados pela Petrobras em seu terreno de 50 hectares (o equivalente a 50 campos de futebol). Virou uma espécie de xeque do petróleo na pequena comunidade de Piquiri, zona rural de Mossoró (leia quadro). “Se não fosse o petróleo isso aqui tudo já tinha acabado”, diz Silva. Além das “taxas da servidão”, como são conhecidos os pedágios pagos aos donos de terra, as empresas destinam cerca de 5% de royalties para a região. O valor foi estabelecido pela ANP. Segundo a agência, é menor do que o cobrado das grandes empresas, que pagam algo em torno de 10% para os municípios de onde extraem o petróleo.


A poucos quilômetros da comunidade de Alderi Silva, entre Areia Branca e Serra do Mel, há uma pequena unidade produtora da Aurizônia. A empresa foi fundada por Raimundo Pessoa, 82 anos. Ex-presidente da Paraibuna Metais, Pessoa fez a vida na mineração. Entrou para o ramo de petróleo aos 74 anos, quando muitos apostavam na sua aposentadoria. “Pessoa é um empreendedor nato. Imagine que também está desenvolvendo, neste momento, uma siderúrgica no Maranhão. É o tipo de empresário que não para nunca”, afirma Renato Darros, engenheiro que trabalhou durante duas décadas na Petrobras e foi contratado como vice-presidente da Aurizônia para tocar a parte operacional da divisão de petróleo. Dona de três campos maduros na bacia Potiguar, a empresa ainda está numa fase embrionária de produção. Retira apenas 100 barris por dia. Boa parte desse volume se concentra no campo de João de Barro (os campos terrestres são sempre batizados com nomes de pássaros e os marítimos, com nomes de peixes). É lá que está situada a estação coletora, uma espécie de base operacional da empresa na região. Do alto de imensos tonéis de petróleo instalados nessa estação é possível avistar, a alguns quilômetros de distância, os cavalinhos da Aurizônia trabalhando ininterruptamente em meio aos mandacarus, aos xiquexiques e a uma gigantesca plantação de caju – “os mais saborosos do mundo”, segundo a população local. O óleo retirado de cada um dos poços segue para um duto que o despejará na estação. Há então o processo de retirada de água e areia – a “purificação”, como dizem os operadores da Aurizônia – e o armazenamento do produto nos tonéis. Dali, o óleo vai para o tanque dos caminhões e parte para a refinaria mais próxima, a de Guamaré, pertencente à Petrobras. São 180 quilômetros de distância entre a extração e o refino.


Darcio Oliveira , de Mossoró (RN)

Fonte: Época Negócios

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